A pouco mais de dois meses de completar dois anos à frente da Seleção, Petrovic faz um balanço sobre o seu trabalho


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Foto: Giovanni Kleinübing/CBB.jpg

A vinte cinco dias de entrar para o seleto grupo de pessoas que participaram de Campeonatos Europeus, Mundiais e Olimpíadas como jogador e técnico, Aleksandar Petrovic ainda tem muito no que pensar antes de comemorar a data histórica. Contratado em outubro de 2017 para reconduzir o Brasil a um lugar de destaque no cenário internacional, o treinador croata sabe que uma vitória no dia 1º de setembro, contra a Nova Zelândia, na cidade de Nanjing, pode ser determinante para traçar o destino da Seleção Brasileira na Copa do Mundo da China.

Se até lá o caminho ainda é longo, o tempo para o primeiro teste contra o Uruguai já está se esgotando. Antes de entrar em quadra contra nossos vizinhos sul-americanos, quinta-feira, às 21h, no Ginásio Internacional Newton de Faria, em Anápolis, o treinador passará por sua primeira prova de fogo: fazer dois cortes no grupo de 15 atletas que se prepara na cidade goiana desde o dia 25 de julho. O terceiro e último corte, que definirá os 12 atletas que representarão o país na China, será anunciado após o segundo amistoso contra os uruguaios, no dia 10, em Belém (PA).

A tarefa sempre dolorosa são ossos do ofício na carreira de qualquer comandante. Treinador da Croácia nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, e de grandes clubes europeus como Sevilha, Cibona, Lleida, Zadar, Scafati, Cedevita, entre outros, Petrovic terá de encarar essa decisão com a mesma tranquilidade com que disse sim a Guy Peixoto e Marcelo Corrêa, presidente e diretor executivo da Confederação Brasileira de Basketball (CBB), respectivamente, para dirigir a Seleção Brasileira, em outubro de 2017.

De lá pra cá foram muitos desafios, como a classificação para a Copa do Mundo da China, algumas conquistas, como a "descoberta" de Yago e Didi e o retorno de Bruno Caboclo à Seleção, e muitas projeções para um futuro próximo, como a renovação do basquete brasileiro, que segue em constante evolução.

Apesar do sangue europeu, a frieza definitivamente não corre nas veias do treinador de 60 anos. Com um português ainda um pouco rústico, mas uma disponibilidade incomum para um treinador de seu quilate, Petrovic trata todos da mesma forma e não se recusa a responder uma única pergunta. Seja de quem for. Mesmo com sua maneira leve e descontraída de ser, Aza, como é conhecido pelos mais íntimos, tem o controle de tudo e o respeito de todos.

Dessa maneira, vestido de Brasil dos pés à cabeça, o treinador, que tem contrato com a CBB até os Jogos Olímpicos de Tóquio, aproveitou uma brecha entre um treino e outro e topou fazer um balanço dos seus quase dois anos à frente da Seleção Brasileira.

- Acho que existem muitos aspectos que podem ser valorizados. Primeiro quando cheguei como um treinador estrangeiro não tive muitos problemas para classificar o Brasil para a Copa do Mundo. As primeiras duas janelas foram perfeitas, principalmente porque não podia contar com alguns jogadores importantes. Inclusive me recordo da estreia contra o Chile, que escalei o Yago como titular com apenas 18 anos e ele jogou muito bem. Conquistamos quatro vitórias depois de duas janelas e naquele momento fiquei muito mais tranquilo para mirar a classificação para a China. Outra coisa muito positiva foi que todos os jogadores considerados veteranos fizeram questão de jogar esse Mundial e não querem deixar passar a oportunidade de fazer algo importante. Quando penso neles a única coisa que me interessa é o que eles estão fazendo dentro de quadra. Foi muito importante encontrar jogadores jovens para começarem a fazer algo para o futuro do basquete brasileiro que em um ano ou depois dos Jogos Olímpicos irão substituir a geração dos mais experientes.

- Não vamos nos por limites, mas tampouco vamos pensar que estamos melhores que os demais. Para mim todos os jogos são difíceis. Ao mesmo tempo que não acho a Grécia totalmente favorita contra nós, não podemos menosprezar Nova Zelândia e Montenegro. Isso significa que temos que estar firmes defensivamente porque ofensivamente esse time tem muitas qualidades. Temos que estar 40 minutos sólidos atrás, quando isso acontece os resultados aparecem.

- Acredito que Cesar Guidetti e Bruno Savignani também fizeram um trabalho muito importante com essa equipe Sub-21 ganhando o Campeonato Sul-Americano. Mesmo da Croácia eu assistia todas as partidas e dali saiu um quase desconhecido Didi, que foi convocado para a janela do jogo contra Canadá, em Montreal, e nos treinos já se notava que ele tinha algo especial. Depois disso, jogando em Franca o nível dele subiu bastante, ganhou o Sul-Americano, jogou muitas partidas e em apenas um ano já está na NBA. Foi uma infelicidade enorme a morte de Michel Uchendu (Maikão), que era outra jogador desse time Sub-21 que em pouco tempo também poderia estar na seleção principal. Foi um golpe duríssimo para mim, até porque ele estava na lista de 24 jogadores para essa Copa do Mundo da China. Paralelamente também acredito que foi quase um trabalho diplomático falar com todos os jogadores da NBA e tratar especialmente da situação do Bruno Caboblo.

- Mesmo estando na Croácia eu sempre estou em contato com esses jogadores. Embora não possa falar diariamente com eles, toda semana procurava conversar com cada um deles sobre os treinos e jogos por mensagens ou diretamente através do WhatsApp. Penso que é importante cultivar esse diálogo porque o jogador sente que você como treinador da seleção está sempre atento ao que ele está fazendo em seu time. Foi uma pena não poder contar com o Raulzinho em razão de uma contusão, mas tivemos um contato muito legal com ele, com Felício e com Bruno. Foi uma vitória contar com todos eles depois do problema com o Caboclo há quase dois anos. Na lista de 24 também incluí o Nenê, deixando ele à vontade para decidir se queria ou não estar aqui, mas como não tive um sim dele até o dia 15 de julho, data limite de mandar a relação, decidi convocar os jogadores que aqui estão.

- Eu como treinador tenho essa facilidade, me conecto com os jogadores. Pode ser que por ser um ex-jogador eu saiba qual a melhor forma disso funcionar, mas também penso que neste momento os jogadores sabem exatamente qual a linha e o limite que eles têm para trabalhar forte e a hora que podem relaxar. Existem momentos de treinar duro e momentos de brincar, até porque estamos na Seleção e aqui não é um clube, onde se vive o dia a dia. É completamente diferente. No clube eu te pago e se você não quiser fazer o seu trabalho eu não te dou o dinheiro, aqui se trata de orgulho, de prazer, de estar jogando pelo seu país. E eu não me sinto estrangeiro, sou muito próximo de todos os jogadores e todo estrangeiro quando chega aqui é frio e só pensa no seu trabalho e nas suas coisas. Eu não sou assim e tenho essa facilidade de me conectar e entender essa conexão e jamais vou dizer "meus jogadores". São jogadores do Brasil. Tenho muito respeito por todos.

- Eu entendo que num momento de crise o Guy (presidente da CBB) e o Marcelo (Diretor Executivo da entidade) optaram por mim, até porque existia uma lista de três ou quatro treinadores. Tenho certeza que no futuro a Seleção terá um treinador brasileiro, porque existem alguns bons nomes com capacidade para isso. No momento tenho um ano a mais de contrato e penso que vou fazer um grande trabalho até lá. Já começamos essa restruturação e penso que a partir de fevereiro de 2020, quando teremos a primeira janela da classificatória para a AmeriCup, vamos ter uma Seleção renovada com um grupo de jogadores com 27, 28 anos e esses jogadores vindos da Sub-21. Será bem mais fácil o trabalho porque temos Yago, Didi e muitos jogadores dessa idade com uma certa rodagem. Muito se fala que a Seleção é velha e tem muitos veteranos, mas vamos pensar num caso hipotético de em algum momento eu escolher um quinteto com Yago, Didi, Alex, Bruno Caboclo e Cristiano Felício. Tirando o Alex, que é o único veterano, os outros irão defender o Brasil pelos próximos 10 anos. Eu não vou dizer que fico chateado, mas não entendo quando algumas pessoas dizem que esse é um grupo de veteranos. Eu não penso assim, esse é um grupo de jogadores que merecem estar aqui independentemente da idade que eles têm. Eu sofro muito com isso porque significa que as pessoas não entendem que já existe um trabalho de renovação sendo feito.

- É perfeita. Esse Brasil não pode ter limites para pensar que não vai ganhar as partidas. Esse Brasil vai à Copa do Mundo sem qualquer tipo de pressão. Vamos para a China para desfrutar, a princípio, as três partidas contra Nova Zelândia, Grécia e Montenegro e depois é uma obrigação nos classificar para a segunda fase. Mas não queremos passar apenas por passar. Temos que passar com condições de avançar à terceira fase. Não ponho limites para aonde vamos chegar, mas acredito que é melhor assim, sem demasiada pressão. Vamos entrar nesse campeonato acreditando que podemos ganhar de todos. Porém, esse torneio na França nos dará uma ideia do que podemos fazer na China, pois vamos enfrentar três equipes muito diferentes. Uma Argentina que vai jogar correndo toda a quadra, uma França, que tem 11 jogadores da NBA, e uma equipe que neste momento tenho dúvidas de como vamos encará-los. Com nossos melhores jogadores ou se vamos esconder um pouco o jogo. Mas até o dia 17 de agosto, quando jogamos contra Montenegro, teremos tempo para tomar uma decisão. Depois de 9, 10 dias de treino, eu posso dizer que estou muito contente com o desempenho desse grupo.

- Temos que formar uma estratégia de trabalho como a Espanha vem fazendo na Europa, com todas as categorias jogando no mesmo sistema e com o mesmo conceito. Para fazermos tudo isso sabemos que precisamos de mais dinheiro, de mais estrutura. Mas temos que ressaltar que antes da chegada do Guy Peixoto à presidência da CBB, o Brasil quase não existia e estava proibido pela FIBA de participar de torneios internacionais. Graças à gestão do Guy, nesses últimos dois anos e meio o Brasil voltou a ser respeitado no cenário internacional. E não falo só da Seleção Masculina, mas também do feminino e das categorias de base. Os brasileiros têm que ser muito agradecidos a ele.

- Quando recebi o convite não tive muitas dúvidas porque estava muito ansioso em relação ao que poderia fazer com essa equipe. Quando cheguei aqui me recordo bem de estar assistindo à final do Campeonato Paulista e achei uma coisa muita estranha quando vi que o Yago era o terceiro armador, pois para mim bastaram cinco minutos para achar que ele deveria jogar. Depois vi o mesmo com Didi e outros jogadores, e isso é uma vantagem enorme. O futuro do basquete brasileiro é grande, mas temos que mudar a forma de jogar. Aqui o jogo é muito individual. São fortes com a bola, mas precisam ser mais coletivos quando não têm a bola. Precisamos implementar um estilo mais coletivo, porque atletas, fundamentos e dribles nós temos. Aqui todo mundo chuta bem, mas passar a bola e jogar coletivamente não existe.

- Eu sempre digo que a coisa mais importante não só para um treinador, mas para qualquer pessoa, é prezar os amigos, a família e os animais, que eu adoro. A principal qualidade de uma pessoa são seus amigos. Quando chego aqui me sinto bem porque estou próximo dos amigos que fiz e depois me apresento à Seleção, onde também me sinto em casa. Posso dizer que depois de quase dois anos como técnico da Seleção não tive nenhum problema de adaptação.

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