Há quase duas décadas servindo a Seleção, Alex, Varejão e Leandrinho chegam ao quinto Mundial e entram para história na China


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Foto: Divulgação/CBB.jpg

Texto: Marcello Pires / CBB

Orgulho! Especial! Gratidão! Amizade! Essas foram as palavras mais repetidas por três dos principais líderes da Seleção Brasileira Masculina - o quarto é o capitão Marcelinho Huertas – para definir uma parceria que já dura 20 anos de serviços prestados ao país. A menos de 24 horas da estreia na Copa do Mundo da China, contra a Nova Zelândia, às 5h (horário de Brasília), no moderníssimo Nanjing Youth Olympics Sports Park, inaugurado em 2016 e com capacidade para 19 mil torcedores, Anderson Varejão, Leandro Barbosa e Alex Garcia se preparam para defender o Brasil pela quinta vez em um Mundial. Feito raro e para poucos num país sem memória e que não reverencia seus ídolos. A partida terá transmissão ao vivo do SporTV2.

Da oitava colocação no Mundial de Indianápolis, no Estados Unidos, em 2002, à dolorosa eliminação para a Sérvia, nas quartas de final, na Espanha, há cinco anos, muita coisa aconteceu e eles experimentaram as emoções mais controversas possíveis numa quadra de basquete. Do sucesso ao fracasso num arremesso errado, do êxtase às lágrimas numa escolha equivocada, da euforia à frustração numa bola perdida, de heróis a vilões num piscar de olhos. O céu é o limite, mas o inferno é logo ali. Se uma conquista de peso ainda não veio, uma coisa nunca faltou nessa longa trajetória percorrida por eles: entrega.

Cada um à sua maneira, Alex, Varejão e Leandrinho sempre se orgulharam em servir à Seleção, nunca fugiram do pau e deixaram tudo em quadra. Prestes a entrarem para a história do esporte brasileiro e escreverem um dos mais importantes capítulos em suas vitoriosas carreiras, o trio de confiança do técnico Aleksandar Petrovic não perde a esperança de levantar um troféu, destaca a confiança construída ao longo de quase duas décadas e aposta na mescla de três gerações para tentar levar o Brasil de volta a um lugar de destaque no cenário internacional.

- Essa boa campanha já vem sendo feita há alguns anos, mas infelizmente nos Jogos do Rio perdemos alguns jogadores importantes e a coisa não foi da maneira que gostaríamos e que todos esperavam. Algumas lesões atrapalharam naquele momento, mas antes disso os resultados já vinham acontecendo. Sabemos das dificuldades de conquistar uma medalha numa Copa do Mundo, mas confiamos no nosso grupo, estamos fechados e temos uma mescla de três gerações nessa Seleção, que é a nossa, dos mais velhos, a de Benite, Augusto, Felício e Rafa (Luz), e a mais nova com Didi, Yago e Caboclo. Potencial nós temos, sabemos que não será fácil, mas se nosso jogo encaixar tudo pode acontecer - analisou Anderson Varejão.

Mais do que companheiros, eles são amigos. Dentro e fora de quadra. Alex e Leandrinho, por exemplo, dividem o mesmo quarto nas viagens desde o Mundial de 2002, nos Estados Unidos, quando os três debutaram na competição. Coincidentemente, o torneio de Indianápolis é o mais especial para os três. Não somente por ter sido o primeiro, mas por razões pessoais. O motivo de Anderson Varejão é simples e óbvio. Com apenas 19 anos à época, o ex-jogador do Cleveland Cavaliers teve o privilégio de dividir a quadra e defender seu país ao lado de seu ídolo e irmão mais velho, Sandro Varejão, bicampeão brasileiro e da Liga Sul-Americana com o Vasco da Gama no fim dos anos 90 e início dos anos 2000.

Já os inseparáveis Alex e Leandrinho têm um motivo para lá de inusitado para guardar aquele Mundial no coração. Caçulas da lista convocada pelo então técnico Hélio Rubens, a dupla que vai defender o Minas Tênis na próxima temporada e jogar junto pela primeira vez em um clube jamais esperava ver seus nomes entre os 12 jogadores que representariam o Brasil nos Estados Unidos.

- Era a geração do Helinho, Demétrius, Sandro, Vanderlei, Rogério, e, na teoria, nós só fomos convidados para ajudar nos treinamentos lá em Ribeirão Preto. Até que um dia estávamos reunidos eu, Alex e meu irmão e lembro que ele nos perguntou o que achávamos daquela oportunidade. Nós respondemos a mesma coisa, que estávamos ali mais para treinar e ajudar, pois como éramos os mais jovens sabíamos que seríamos cortados. Meu irmão balançou a cabeça negativamente, disse que confiava em nós dois e que tínhamos condições de ficar. Eu olhei para o Brabo, ele olhou para mim e concordamos. Começamos a treinar pesado e no dia do corte o Hélio Rubens nos deixou no grupo. Aquilo para nós foi uma enorme surpresa e isso eu não esqueço - lembrou Leandrinho.

Histórias como essa são o que não faltam na memória de cada um deles. Alegrias e frustrações, então, nem se fala. Se a conquista da Copa América de 2009 sob o comando do espanhol Moncho Monsalve ficará marcada para sempre na lembrança de todos, a penúltima colocação no Mundial do Japão, em 2006, ainda incomoda e provavelmente a acompanharão para o resto da vida. No entanto, tão valioso como os resultados são os laços de amizade que se estreitaram ao longo desses 20 anos de estrada. Num meio em que a vaidade muitas vezes fala mais alto e expõe as mazelas de um grupo, é raro jogadores consagrados em seus clubes e financeiramente bem sucedidos na carreira criarem uma relação verdadeira e fraterna fora do cenário esportivo.

Como todo caso tem sua exceção, Leandrinho, Alex e Varejão seguiram na ativa para quebrar esse tabu. Juntos desde o dia 25 de julho, quando a Seleção Brasileira se apresentou na cidade goiana de Anápolis para iniciar sua preparação para a Copa do Mundo, os três se entendem só no olhar e encaram com naturalidade um "casamento" feliz depois de tantos anos de convivência.

- É difícil lembrar alguma coisa de imediato, mas história tem. De brincadeira, de zoação, de dentro da quadra e até de coisas sérias, acho que tem muita coisa, mas é difícil pontuar uma agora. É uma relação muito boa, gostosa e que você leva para o resto da sua vida. É difícil no esporte você ficar 20 anos defendendo uma seleção, por isso sinto um orgulho enorme em me manter firme e jogando em alto nível ao lado dos mesmos companheiros. Esse comprometimento é maravilhoso, faz bem e nos motiva a continuar aqui com 39 anos como eu e 36 como o Leandro e o Varejão, abdicando de muitas coisas, de ficar mais tempo com a família, com os filhos e de passear. É uma vida, né, e você passar esse tempo todo com pessoas que você gosta e admira é gostoso demais. Só o esporte proporciona essas coisas. Essa afinidade só existe porque um gosta do outro, não tem trairagem. Nos sacaneamos, brincamos, mas fica ali dentro, e esse ambiente proporciona um entrosamento muito maior dentro da quadra - afirmou Alex.

Varejão vai além e espera que essa amizade traga um bom resultado do território chinês.

- É uma coisa especial. No basquete, o Marcelinho Machado já jogou cinco Mundiais e agora nós também teremos essa oportunidade. Temos uma amizade de muito tempo, somos amigos fora de quadra, nos preocupamos uns com os outros e é gratificante podermos estar aqui juntos disputando nosso quinto Mundial. Sinceramente, acho que nenhum de nós imaginava que um dia isso fosse possível quando começamos lá atrás, mas está acontecendo e vamos tentar fazer o melhor nessa Copa do Mundo da China para conseguir algo que possa nos marcar para sempre - disse o pivô de 2,11m.

Para que esse antigo desejo se torne realidade, o trio conta com a confiança de outro treinador estrangeiro. Substituto do argentino Rubén Magnano, que dirigiu o Brasil nos Mundiais de 2010 e 2014, Aleksandar Petrovic caiu nas graças do grupo brasileiro rapidamente. Dono de um currículo respeitável dentro de quadra e um temperamento descontraído fora dela, o técnico croata trouxe leveza para o ambiente da Seleção.

- Ele chegou numa fase diferente, de eliminatórias, de janelas em casa, e soube lidar com a maneira de ser de cada um. É um cara que respeita todo mundo e com uma filosofia e uma postura diferentes das do Rubén. É um treinador que todos têm um carinho grande e que ganhou nosso respeito pelo trabalho e pela pessoa que é. Nos dá abertura para muitas coisas, mas não podemos interpretar isso de uma forma errada, de usar essa liberdade para passar do limite. Ele não deixa isso acontecer, sabe segurar na hora de segurar e soltar no momento certo. É um grande treinador e esperamos fazer uma grande estreia e um grande Mundial com ele - destacou o camisa 10 da Seleção, que ainda não sabe como será sua vida sem a Copa do Mundo.

- Sinceramente não pensei nisso ainda, mas sei que quando estiver perto da próxima acho que vou ficar meio triste. Faz tanto tempo que estamos na Seleção, já são cinco Mundiais, e não ver mais meu nome na lista de convocados vai ser muito estranho (risos). Mas sabemos que tudo na vida chega ao fim - completou Alex.

Além da estreia em 2002 e da excelente campanha na Espanha, quando a Seleção ficou a uma vitória de disputar as semifinais da Copa do Mundo de 2014, Alex, Varejão e Leandrinho também estiveram nas disputas de 2006, no Japão, e de 2010, na Turquia. Com tanta experiência na bagagem, eles sabem como poucos a importância de uma vitória na estreia, principalmente numa competição que terá pela primeira vez 32 seleções e com apenas duas vagas em disputas em cada grupo.

- Estreia é sempre uma estreia, mas todos nós aqui, tirando a garotada que está chegando agora, temos experiência de sobra e sabemos como devemos agir no primeiro jogo de um Mundial. Estamos numa Copa do Mundo de Basquete, então não existe adversário fácil. Todos os times que estão na China são competitivos, é uma competição com países fortíssimos. Eu acho que será um jogo bem difícil, mas espero que a gente saiba lidar bem com isso, pois confio muito no nosso grupo, nos nossos jogadores e tenho certeza de que vamos conseguir cumprir o que viemos fazer aqui. Temos que pensar na vitória e trabalhar psicologicamente para estarmos bem fortes, principalmente nos minutos finais. Pensamento positivo, tenho certeza que vai dar tudo certo - aposta Leandrinho.

O certo mesmo é que há 17 anos, quando tudo começou lá atrás, em Indianápolis, a Copa do Mundo de Basquete era apenas um sonho de qualquer criança que começa a praticar a modalidade. Mas assim como aquela brincadeira virou coisa séria e fez do basquete a profissão de cada um deles, que o sonho de disputar uma medalha e subir ao pódio também possa se tornar uma realidade justamente na última chance que Alex, Varejão e Leandrinho terão de levantar um troféu pela Seleção num Campeonato Mundial.

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